domingo, 9 de janeiro de 2011

Que Deus o tenha

Hoje foi o batizado da Duda, minha afilhada.

Tenho 99,99% de certeza que ela será gremista. Neste 9 de janeiro ela completou 3 meses e 20 dias, mas um dia terá 14 anos e vai me propor a seguinte conversa:

- Dindo, um amigo meu falou na escola que um dia existiu um cara que foi comparado a Pelé e Garrincha, e que ele jogou no Grêmio, ou queria jogar. Não entendi direito. Tu lembra disso?

Vou responder:

Dudinha, primeiro preciso te explicar uma coisa. Nunca falei sobre isso porque no dia do teu batismo prometi que jamais falaria no nome daquele cara. Ao mesmo tempo, sabia que um dia tu me questionaria sobre esse assunto.

Vou abrir esta exceção. Falarei dele hoje. Mas continuarei sem tocar no nome daquele vagabundo, que Deus o tenha.

Dudinha... por onde começar?

Com a bola nos pés ele foi único, admito. Começou no Grêmio, é verdade. Mas saiu pela por dos fundos, numa negociação estranha, cheia de mistérios e que, provavelmente, ele não tenha tanta culpa como se disse na época. Fato é que foi embora do Tricolor pela porta dos fundos, repudiado pela torcida. Eu tinha a tua idade. Na verdade, um ano a mais. Estava com 15.

Vi o fato de longe, e pensei: “ah, deixa o cara ser feliz. A direção também rateou. Poderiam ter feito algo para segurá-lo”... enfim.

Os anos passaram e ele destruiu. Continuei elogiando, enquanto teu pai dizia: "não sei não, melhor não confiar nesse cara". Mas ele jogou bola como eu ainda não tinha visto alguém jogar. Se falava em Pelé, Garrincha e Maradona, aqueles três gênios que te mostrei em Blu-Ray Power Defition. E tinha o Zidane, o Ronaldo, outros expoentes da época. Mas esse cara, o vagabundo, jogava mais que todos eles.

Um dia vi ele dar três chapéus no mesmo adversário, no mesmo lance, no mesmo quadrado de campo! Vi ele fazer pedaços do Real Madrid, maior time da época, dentro do seu estádio, aquele que hoje está em ruínas, o Santiago Bernabeu. Jogava, ao mesmo tempo, com sorriso, com alegria, e com gana, com fome de vencer os adversários. Era fodão, mesmo.

Teve até um dia que meus pais - tio Erni e tia Monha - foram me visitar e queriam fazer um passeio para São Francisco do Sul. Mas, naquele mesmo dia à tarde tinha Barcelona e Chelsea, pela Champions, e aquele boca-de-gamela jogava no Barça. E eu não perdia um jogo dele. Abri mão do passeio com meus pais, que eu não via há tempos, para ver aquele idiota jogar. Hoje me arrependo de ter torcido por ele.

Mas o tempo passou como passa pra todos. E os anos decadentes vieram. Em 2010, jogando meia-sola, bem mais pesado, bem menos gênio, estava na reserva do Milan, com poucas chances de triunfar. E o Grêmio lhe ofereceu a volta pra casa.

Ou melhor. Segundo contam, aquele que era irmão dele, que Deus o tenha, foi quem procurou o Grêmio para acertar o retorno. Seria algo memorável. A torcida tricolor havia perdoado, estava disposta a vê-lo de novo vestindo azul, branco e preto.

Chegou-se a dizer que estava tudo acertado com o Grêmio, que só faltava canetear o contrato. Chegou-se a preparar a festa. Chegou-se a juntar gente dentro do Olímpico para recebê-lo! O próprio havia dito em seu site que seu desejo era jogar novamente pelo Grêmio, que por ele estaria já de camisa tricolor, que o dinheiro não importava nesse caso. Só que isso nunca mais aconteceu. Ele, da noite pro dia, resolveu que jogaria pelo Flamengo, que também o cobiçava, é verdade.

Todos se revoltaram. Escutei rubro-negros dizendo que seria melhor ele ter ido para o Grêmio. Foi hostilizado, vaiado, linchado, esculhambado em cada estádio brasileiro. Os gremistas, na primeira vez que ele foi à Porto Alegre após o acerto com o Flamengo, quebraram o carro dele em plena rua. Os caras bateram tanto nele e nos capangas que estavam junto, que acabaram presos. Nunca incentivei a violência, mas confesso pra ti: até me senti bem naquela noite.

Não pense você que pegaram pesado demais. Não mesmo. Só pra ti entender: há 15 anos ele já era podre de rico. Tinha fama. Conquistava as mulheres mais bonitas do mundo, mesmo sendo um OVNI de dentes grandes – até te mostraria uma foto, mas não quero que tu conheça o rosto daquele animal. Ele tinha tudo, Dudinha.

E tinha o negócio da saída do Grêmio, dez anos antes, mal resolvido. Era a chance de se redimir. Era a chance dele conquistar TUDO que alguém pode querer. Podia ter a nação tricolor aos seus pés. E os flamenguistas entenderiam. Os palmeirenses, que também entraram no leilão, entenderiam.

Foi nesse ponto que ele errou. Optou por ser ídolo no flamengo (o que nunca fui) e, de tabela, ser odiado pelo Grêmio, o time da sua infância.

Fez eu, teu pai, tio Gelson, passar semanas com azia, com stress, torcendo pela volta e depois enojando aquela atitude. Mais tarde teve tudo que plantou. Acabou na sarjeta. Fez dois ou três bons jogos pelo Flamengo - eu nem assisti, só sequei de longe - e depois afundou-se em festas. Não demorou para ser pego em um exame anti-doping, e perdeu o dinheiro no turfe, no jogo de cartas e nas drogas, suas únicas atividades depois de banido do futebol pela Fifa. Seu empresário o abandonou, mas não antes de passar 95% da fortuna para seu nome. E os 5% ele torrou enquanto durou.

Morreu tarde, aos 42 anos.

Que Deus o tenha.

5 comentários:

Felipe Conti disse...

HAHAHHHAHAHAHAHA

Mas que barbaridade!!! Tri a ideia do texto! E esse final tá bala! Só faltou matar o assis numa, sei lá, CONGESTÃO DE EUROS! hehehehhe

É bicho, os caras meteram os pés pelas mãos... Viram mais possibilidade de marketing no flamengo... E menos cobrança também...

E não adianta, assim como Adriano e Ronaldo, ele vai jogar - e bem! - por aqui, ser campeão de algo... e encher a burra de dinheiro!

Como Colorado, adorei que ele não foi pro grêmio! Mas o que eu acho nessa história toda, é que existe ALGO ainda não contado na relação dos Assis com alguns dirigentes do grêmio...

Talvez um dia saibamos...

JefConti disse...

Mau, muito legal teu texto. Só não acho legal desejar algo tão forte a pobre criança..hahahaha. Mas falando na real acho que no Inter vi o Valdomiro jogando e acredito q ele era realmente apaixonado pelo clube. No resto é grana e vou me dar bem....
O Assis chega a ser nojento falando e acho que queimo o filme do melhor produto dele..Um abraço.

geoband disse...

Faltou dizer p/ Duda que viste o jogador sucumbir diante do Colorado, no ano que foi eleito o melhor do mundo...

Mas na boa, independentemente do desfecho do negócio (ainda não terminou), me surpreendeu a ânsia de boa parte da torcida gremista em tê-lo novamente no clube. Essa é a questão. Com todo o respeito, mas o Grêmio agiu como um verdadeiro cornomanso.

E o Coates?

Geoabraço

Felipe Conti disse...

Lembrou bem Geo! Em 2006 além de ser PÍFIO na Copa do Mundo, conheceu o Ceará no Japão!

E parte da revolta gremista foi exatamente por achar que "agora tudo seria diferente...". Não aprenderam na primeira vez...

E o Coates é um BAITA zagueiro, que o FC já tentou trazer pro Inter mas não deu... Ainda bem que o grêmio desistiu, pois seria uma puta contratação.

Abraço!

Mau Haas disse...

Pior que tu tem razão, Geo. Nos fizemos de cornos mesmo, e isso que é pior. Mesmo nós aceitando o corno, tivemos que engolir a puta com outro.
Pior não poderia ser.
Mas isso é passado.